ESGOTAMENTO SANITÁRIO DO CONJUNTO PALMEIRA

UMA GRANDE OPORTUNIDADE

Proposta de um Planejamento Estratégico com definição de Objetivos, Metas, Indicadores de Resultado e Impacto da obra.

Texto provocativo
Joaquim Melo

Após 30 anos de luta, recebemos neste sábado (09/04/22), no Conjunto Palmeira, a Governadora do Ceará, Izolda Cela. Assinou a ordem de serviço do esgotamento sanitário do bairro. R$ 91 milhões para atender 8.000 residências.

Vivemos no período pós-pandemia onde todos buscam inovações que possam acelerar a retomada da economia com base em outros padrões civilizatórios, capaz de enfrentar as desigualdades e a questão climática.  O Conjunto Palmeira, segundo o boletim 49 do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), edição especial de novembro de 2012: “é o bairro de menor renda média de Fortaleza com um resultado de apenas R$ 239,00/mês por família. Possui 36.599 pessoas e dentre estas, 6.277 vivem em extrema pobreza”. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) da prefeitura de Fortaleza, com base no IBGE 2010, ratifica esses dados e aponta o Conjunto Palmeira como o bairro de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-b) de Fortaleza, com o índice de 0,119.

No bairro mais pobre de Fortaleza e com tantas famílias em extrema pobreza, uma obra de esgotamento sanitário de R$ 91 milhões não pode “acabar no dia que termina”. O legado deixado precisa ser mais do que os canos enterrados e o sistema funcionando. Isso já seria muito, mas completamente insuficiente para a gigantesca oportunidade que a obra oferece.

É importante ter-se claro que estamos, sem sombras de dúvidas, frente à maior obra de infraestrutura do bairro. A intervenção vai entrar em todos os 8.000 imóveis: casas, comércios e equipamentos públicos para refazer todas as ligações hidráulicas.  Vão ser abertas e asfaltadas todas as ruas. É quase uma reconstrução do bairro.

Soma-se a isso o fato de o Conjunto Palmeira estar em processo de Regularização Fundiária de todas as casas. A escrituração dos terrenos e o esgotamento sanitário em curso, ao tempo que são uma enorme oportunidade, favorecem a um processo de especulação imobiliária semelhante ao que o bairro viveu ao final dos anos 90, um dos motivos de criação do Banco Palmas. À época, após o serviço de drenagem, calçamentação das ruas e implantação das redes de água e energia elétrica, parte dos moradores venderam suas casas por “bagatela” passando a morar em assentamentos mais distantes. A cartilha “O Canal de Drenagem do Conjunto Palmeira” (1998) aponta que 25% dos moradores que moravam ao redor do Canal de Drenagem tinham vendido suas casas antes do primeiro ano de término das obras.

Decorridos 24 anos, o risco de um novo ciclo especulativo no bairro é considerável se não pensarmos, desde já, em uma estratégia de fixação dos moradores na localidade. É possível que na segunda metade desta década, quando o bairro contar com redes de esgotamento sanitário funcionando e as casas todas escrituradas, a maioria dos moradores sejam “expulsos” vítimas da valorização do terreno em detrimento do aumento da renda das famílias. Esse risco torna-se mais iminente pelo fato do bairro está conurbado com a Região Metropolitana industrial, para onde se dá o processo de expansão de Fortaleza.

Conquanto a ameaça, as oportunidades da obra de esgotamento sanitário do Conjunto Palmeira são enormes. O ambiente para inovação é bastante favorável. O Conjunto Palmeira é reconhecido por ser um celeiro de tecnologias sociais de organização comunitária, de empreendedorismo social e econômico e de resiliência propositiva dos moradores. Além disso, possui larga experiência na execução e acompanhamento de obras e investimentos públicos – 04 (quatro) delas podem ser relidas para aproveitar-se daquilo que foi estratégico, a saber:

  1. PROJETO PRORENDA, no início da década de 90, responsável pela drenagem do bairro e construção de equipamentos sociais, como a praça e a sede da associação de moradores. Várias tecnologias foram bastante exitosas neste projeto: I) O “Conselho de Integração” composto por representantes do Governo do Estado (SEPLAN), Prefeitura (COMHAB), GTZ (governo alemão) e sociedade civil. Um conselho paritário e deliberativo constituído por decreto do prefeito e do governo do estado. As reuniões eram mensais e tinham caráter deliberativo; II) O “Conselho Local”, aberto a participação dos moradores, reunia-se semanalmente na sede da associação. Planejava a obra, os custos, e discutia e monitorava o andamento da mesma junto com os técnicos da prefeitura e do governo do estado; III) a “Gerência de Apoio a Organização Comunitária (GAOC)”, formada por técnicos do poder público, responsável por assegurar e melhorar a participação da comunidade em todas as etapas de construção da obra. Treinava as lideranças locais, mediava os planejamentos, garantia que 100% da mão de obra fosse da comunidade, gerenciava conflitos e fazia a transversalidade com outros entes da gestão pública estadual e municipal. Um dos legados dessa obra foi a criação do Banco Palmas (98) um ano após o encerramento da mesma – a qualidade técnica, até hoje é elogiada.
  2. O PROSANEAR, na segunda metade da década de 90, encarregado do esgotamento sanitário condominial e instalação de banheiros em todas as residências de baixa renda do Conjunto Palmeira. Sem a participação da comunidade no planejamento e execução da obra e com os instrumentos de monitoramento popular indefinidos, a obra não teve a adesão da comunidade. Com baixo engajamento dos moradores a educação ambiental ficou prejudicada. O grupo de teatro da comunidade (Flores do Lixo) fez, por conta própria, uma peça de teatro ensinando os moradores a usar o “banheiro”. A peça foi apresentada nas ruas e nas escolas com grande participação do público e dos alunos. Contudo, esse ativo cultural do bairro não entrou na esteira de atividades do projeto o que inviabilizou a peça “ficar em cartaz” por muito tempo. Após a implantação da obra, em menos de um ano o sistema já estava completamente entupido e a obra se tornou o maior pesadelo da comunidade.
  3. A BARRAGEM DO RIO COCÓ, inaugurada em 2017, obra encarregada de reduzir o impacto das inundações causadas pelas chuvas. No dia da inauguração da barragem, várias associações do Conjunto Palmeira entregaram ao Govenador um conjunto de propostas para aproveitamento da barragem e de seu entorno para atividades de turismo comunitário, agroecologia, feiras de economia solidária, espaço de educação ambiental, lazer, geração de renda e outros. A proposta chegou a ser discutida com secretarias de governo, um fórum foi constituído, mas não avançamos para a criação de um Conselho Institucional (Regulado por decreto). Essa baixa institucionalidade foi aos poucos esvaziando as reuniões do fórum. Atualmente o mesmo se mobiliza somente na época das chuvas para monitorar o fluxo das águas. As propostas ainda não saíram do papel.
  4. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA, iniciada em 2017 está em curso até os dias de hoje. Teve uma etapa inicial, feita pela prefeitura, de 1.000 casas (Todas entregues) e, em um segundo momento, de 4.000 casas sob responsabilidade do Governo do Estado. Nessa segunda fase, a comunidade participou ativamente formando os “Conselhos de Quarteirão”. Os técnicos do Governo só entravam no quarteirão após a comunidade fazer o processo de mobilização e esclarecimento da população sobre os objetivos, a importância e os desafios da Regularização Fundiária. Criava-se uma identidade da comunidade com o “papel da casa”, mitigando o risco de as famílias venderem o imóvel após aquisição da escritura. Durante a reunião era marcado um mutirão comunitário para limpeza do Quarteirão e dos canteiros centrais. 27 conselhos foram criados e aconteceram 37 mutirões comunitários. Com a chegada da pandemia da COVID 19 e a necessidade de distanciamento social, os Conselhos de Quarteirão se desmobilizaram. A regularização fundiária ainda não se concluiu, mas a metodologia dos Conselhos de Quarteirão já mostrou sua eficácia e deve ser retomada ainda este ano.

 

O DESAFIO

Organizarmos com urgência um grupo de trabalho com ampla participação das organizações do bairro, da academia, da Prefeitura e do Governo do Estado para elaborar um Planejamento Estratégico com uma MATRIZ de objetivos, metas e indicadores de resultados e impactos para a obra de Esgotamento Sanitário do Conjunto Palmeira. Algo para muito além da “obra física”. Ampliar o escopo para desenho de resultados socioeconômicos, ambientais, culturais, educacionais que se tornem referência em intervenções urbanística desse porte. Fugir do tradicional. “Sair da caixinha” e ressignificar a obra como oportunidade para construção do bairro empreendedor, acolhedor, onde a qualidade de vida e o cuidado das pessoas toma assento.

Tendo esse conjunto de indicadores elaborados, o passo seguinte seria organizarmos, no bairro, um “Laboratório de Monitoramento da Obra” com participação da comunidade, assessoria da academia e apoio dos governos.

No caminho da construção desse planejamento já podemos destacar algumas perguntas:

  • Quais os espaços de participação e deliberação da sociedade civil organizada no planejamento e execução da obra? Esta participação será instituída por decreto governamental?
  • De que forma a obra vai reforçar e legitimar a organização popular já existente no bairro? Os Conselhos de Quarteirão, as Plenárias Populares, as assembleias das associações, as Brigadas Populares, os grupos de mulheres, o FECOL (Fórum Socioeconômico Local) e outras formas de mobilização popular existentes?
  • As cooperativas e empresas existentes no bairro: PalmaCoop, Prato Colorido, Palma Fashion, Cozinhas Comunitárias e outras serão contratadas para execução da obra?
  • De que forma a obra cria um ambiente de negócio favorável para o surgimento de novas empresas/cooperativas locais? De que forma o cooperativismo e economia solidária se fortalecerão? De que forma os empreendimentos produtivos do bairro estarão melhor capacitados e fortalecidos ao final da obra?
  • Parte dos fornecedores, trabalhadores e prestadores de serviços receberão seus pagamentos em Moeda Social Palmas? O Banco Palmas e os comércios locais se fortalecerão com a obra? O consumo local será estimulado?
  • Os grupos culturais da comunidade: cia bate palmas, cordapés, cordelistas, repentistas, grupos de teatro, palmaslab e outros serão utilizados para educação e comunicação da obra? De que forma a cultura de base comunitária participará e se fortalecerá com a obra?
  • Ao entrar nas 8.000 residências que diálogos serão estabelecidos para além do pedido para adesão ao serviço de esgotamento sanitário? Por exemplo, motivar para participação cidadã nas organizações do bairro, conectar com a adesão a regularização fundiária, valorização das culturas locais… serão narrativas incorporadas?
  • Que relação a obra terá com os ECOPONTOS da Prefeitura? Será que não é o momento de orientar a família para separar o lixo em casa, levando os resíduos sólidos para os ecopontos e o lixo molhado para as composteiras? Quiçá, aproveita o momento e se implanta a coleta seletiva no bairro?
  • A exemplo do que fazemos com as moedas sociais (palminhas), vai ser realizado algum projeto educativo/lúdico com as crianças nas escolas? Algo de valorização do bairro, boas práticas no uso do esgotamento sanitário, cultura da cooperação?
  • Qual a relação dessa obra com a obra da barragem? Poderíamos juntar os dois grandes empreendimentos e retomar a discussão do turismo sustentável, da agroecologia, das feiras e das outras ideias que foram elaboradas para gerar renda e entretenimento para os moradores?
  • Vivemos em uma época digital. De que forma a obra se relaciona com isto? Em 2020, em reunião com a CAGECE, a PalmasNet chegou a propor cobrir todo o bairro com fibra óptica aproveitando as tubulações de esgoto. Assim, a fibra óptica chegaria nas casas pela “mesma caixa de visita” da tubulação do esgoto. É possível pensarmos em internet grátis, ou a preço bem acessível em todas as casas do bairro, aproveitando a infraestrutura da obra?
  • É possível as contas de água e esgoto serem pagas através da plataforma digital do banco palmas, e-dinheiro, aumentando o número de clientes e fortalecendo o fundo de crédito do banco?
  • É possível fazermos em pelo menos “um quarteirão” um sistema de esgoto ecológico, com fossa seca, reaproveitamento de águas e outras tecnologias ecológicas? Seria um piloto para ser replicado em outras obras do governo.

 

Estamos propondo uma primeira reunião para alinhamento de expectativas sobre a necessidade de construção do aqui exposto, para o dia 20 de abril, às 15h, em local a ser confirmado.